A relativização da justiça sob a perspectiva de classe

Cristopher, o motorista da Uber que matou um jovem devido a um celular, e zombou da morte em vídeo

Christopher Rodrigues, de 27 anos, atropelou e assassinou um homem na última terça-feira (25/04). O assassino, em seguida gravou vídeos irônicos no estilo "bandido bom é bandido morto", onde ironizava dizendo que iria até a delegacia "assinar um assassinato". Nos vídeos, ele também disse se negar a retirar o carro de cima do jovem, já que ele havia roubado o seu celular (mesmo a vítima ainda estando viva).

De acordo com o próprio motorista nos vídeos, a família da vítima, Matheus Campos Silva, de 21 anos, chegou a assistir o rapaz embaixo do veículo e pedir que o assassino  removesse o carro de cima do rapaz (que estava agonizando na frente das pessoas). Ele morreu na sequência. 

Os comentários na noticia só estarrecedores. Se você é sensível sugiro que não leia:

Conteúdo sensível

É uma tarefa verdadeiramente desafiadora buscar uma troca de argumentos com indivíduos que sustentam a justificativa de ceifar a vida de um jovem por causa de um simples celular. Essa linha de pensamento é claramente enraizada em uma ideologia permeada pelo ódio, que estabelece uma perturbadora distorção de valores entre seres humanos, colocando um mero objeto acima do inestimável valor de uma vida humana. É preocupante observar como essas convicções podem corroer a própria capacidade de enxergar a vítima como alguém dotado de um futuro repleto de possibilidades e aspirações. Esse grupo de indivíduos se fecha em uma bolha mental que se recusa veementemente a reconhecer a vítima como um jovem que teve sua existência tragicamente interrompida, ignorando por completo sua condição de vítima.

Vale destacar que, se estivéssemos diante de uma situação de legítima defesa, o debate poderia se desdobrar em nuances mais complexas. No entanto, essa situação não se enquadra nesse contexto, o vídeo compartilhado por Cristopher é elucidativo e deixa pouco espaço para questionamentos. Sua alegação de ter até mesmo impedido a prestação dos primeiros socorros reforça a perturbadora falta de consideração pela vida humana que estava dependente de sua atitude naquele momento.

Isso nos leva a uma reflexão sobre crenças e ideologias. As pessoas que apoiam esse crime não percebem que foram manipuladas para acreditar que os inimigos são os jovens pobres e marginalizados, que não têm nenhum (eu repito, NENHUM) capital. Eu sei que é horrível ser assaltado e se sentir vulnerável, mas muito mais horrível é a lógica que determina o valor das coisas. É absurdo o preço que se paga por um telefone ou qualquer outra ferramenta, e por isso dói tanto quando perdemos. E é por esse mesmo preço que essas coisas são roubadas, para serem vendidas. Coisas que nós compramos com o salário que recebemos em troca da exploração que sofremos. Nós somos os trabalhadores que produzem essas coisas que depois nós mesmos não podemos comprar.

Enquanto isso, existem bandidos de verdade que ficam ricos e não precisam trabalhar, às custas da nossa exploração, e que mantêm essa ideologia de genocídio aos pobres. Eles querem que as pessoas se alienem, pensando que quem recebe benefícios de verdade é ladrão de galinha. 

Sim, nós devemos sentir ódio e revolta, mas não contra ladrão de celular.

Caso Americanas: Temos a maior fraude da história corporativa do Brasil, diz Verde:

A Verde Apontou também para os três controladores, Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Para a gestora, eles "claramente escolheram a opção financeira” ao optarem por se manter em silêncio diante da possibilidade de fazer aportes para “reparar um pedaço substancial da fraude ou preservar sua reputação/legado”. 

"Temos a maior fraude da histórica corporativa do Brasil, um buraco de mais de vinte bilhões de reais, e a gestão financeira da companhia continuou sendo feita pelas mesmas pessoas durante todo o período seguinte”, observa a gestora. (REVISTA EXAME) 

A Americanas, uma das maiores empresas de varejo do Brasil, está no centro de um escândalo que pode ter consequências graves para o mercado financeiro e a economia do país. A empresa entrou em recuperação judicial após revelar que havia um rombo de R$ 20 bilhões em suas contas, resultado de fraudes contábeis praticadas por seus gestores. O trio formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, conhecido como 3G Capital, é acusado de conluio em fraudes que consistiam em manipular as informações contábeis da empresa para esconder o quanto ela devia aos bancos e aos fornecedores. Assim, a empresa parecia mais saudável e rentável do que era na realidade.

As intenções por trás dessas fraudes podem ser várias, mas algumas hipóteses são: aumentar o valor das ações da empresa na bolsa de valores e atrair mais investidores, obter mais crédito dos bancos e dos fornecedores para financiar a expansão da empresa, blindar o patrimônio pessoal do trio 3G transferindo parte dele para o exterior ou para outras empresas, evitar a responsabilização pelos prejuízos causados aos credores e aos acionistas. A fraude da Americanas pode prejudicar a economia de um país e impactar o trabalhador brasileiro de várias formas, como: 

Reduzir a confiança dos investidores no mercado financeiro brasileiro, afastando capitais e gerando instabilidade;

Afetar a cadeia produtiva do varejo, que envolve milhares de fornecedores, lojistas e consumidores;

Colocar em risco os empregos dos funcionários da Americanas e das empresas relacionadas;

Causar perdas aos credores da Americanas, que incluem bancos públicos como o BNDES, que usam recursos públicos (sim, o SEU dinheiro);

Prejudicar os acionistas minoritários da Americanas, que podem ser pessoas físicas ou fundos de investimento que representam trabalhadores, como fundos de pensão.

Esse rombo que corresponde a mais de 20 bilhões de reais, é maior do que o PIB de países como Belize, São Tomé e Príncipe, Maldivas, Burundi e Libéria, e quase o mesmo que o PIB de países como Guiné-Bissau, Eritreia, Butão e Timor-Leste. Se comprovada, essa fraude pode ser histórica e entrar para a lista das maiores já ocorridas no Brasil.

Esse caso revela como o ódio ao Matheus é o resultado de um projeto bem elaborado, que foi planejado para funcionar assim mesmo. O jovem que rouba o motorista de uber não é uma exceção, mas um produto desse sistema, que só consegue roubar valores equivalentes a PIBs de países inteiros, se um trabalhador alienado e radicalizado estiver disposto a matar outro pobre no semáforo por causa de um celular. De acordo com a Secretaria de Segurança Pública, o caso foi registrado como "furto e morte suspeita/acidental" no plantão do 78° Distrito Policial.

Para o Cristopher, talvez seja mais fácil tentar justificar as diferenças que ele imagina existir entre ele e Matheus por meio de um crime confesso, do que perceber, por exemplo, a narrativa enganosa que se esconde por trás da exploração dos motoristas pela Uber, que o reduz a um mero número de algoritmo. E então, na sua busca desesperada por se destacar, ele não se importa em ser chamado de assassino por alguns, desde que ganhe alguns minutos de fama na sua bolha da direita maluca (em sua literalidade, bolha fascista).

Essa ideologia, que deve ser criminalizada, foi alimentada pela onda de fascismo que invadiu a mente vazia e cansada dessas pessoas nos últimos anos, e não se manifesta apenas dessa forma. Essas mesmas crenças mataram, recentemente, quatro crianças inocentes. Enquanto isso, sobre o caso da Americanas que desestabilizou a economia de um país inteiro, eu não vejo essas pessoas se posicionando e muito menos defendendo m0rt3 de bilionário.

A defesa da propriedade privada, de um celular valer mais que uma vida, ou de que todos que acabam entrando para a criminalidade por algum motivo social devem ser exterminados, desempenha um papel de jogar um tecido fino e "cheiroso" em cima de uma torre de lixo podre, que ao se deteriorar não consegue mais deixar de feder. Do Cristopher e das pessoas que acreditam veementemente nisso, eu sinto apenas pena, pois eles permitem ser explorados duas vezes: primeiro ao terem seu tempo e vida roubados, e depois ao permitirem que tomem conta de suas mentes. 

Autora: Mariane Regina Salles Panek
@panekpsi
Psicóloga Comunitária
CRP 08/32713

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