Há muitos aspectos dentro do campo da Psicologia que precisam ser revisados, as questões pontuadas abrangem uma infinidade de outros fatores. Essa ciência se constrói a partir da atualização contínua e da crítica como elementos centrais de seu método, permitindo que ela evolua e se mantenha conectada às demandas sociais, históricas e culturais do seu tempo, respeitando os acúmulos históricos.
A ideia de que o profissional da Psicologia deve ser "neutro" diante de questões políticas e de opressão é uma falácia. Na América Latina, a Psicologia tem uma profunda conexão com as lutas e movimentos sociais, justamente por reconhecer que nosso trabalho está intrinsecamente ligado às realidades sociais e históricas.
A ciência psicológica vai além dos aspectos individuais: ela aborda dimensões coletivas e históricas, compreendendo que as opressões estruturais não podem ser ignoradas. Pelo contrário, é nosso papel ético e profissional enfrentá-las de forma ativa, contribuindo para a revolução social e a promoção de uma prática que respeite a dignidade e os direitos humanos.
A imposição de modelos e técnicas eurocêntricas, que ignoram os saberes ancestrais e as práticas de cuidado em saúde das populações originárias e periféricas, é uma prática histórica que compromete a Psicologia em sua diversidade e potência. Ao longo do tempo, muitas dessas abordagens foram utilizadas para deslegitimar e distorcer outros saberes, impondo um olhar único, patologizante e opressor sobre diferentes modos de vida. Isso serviu como ferramenta para justificar a exploração e o genocídio de muitos povos, reforçando estruturas de poder colonial. Diante disso, nossa tarefa permanente é provocar reflexões, repensar essas práticas e construir uma Psicologia que respeite a pluralidade das formas de cuidado e entendimento do mundo, da linguagem e das mais diversas formas de experienciar a vida humana.
Rotular e tratar como doença reações complexas em resposta a condições sociais, econômicas opressoras ou questões de identidade faz com que nós, profissionais da Psicologia, reproduzamos a opressão.
Comportamentos e sentimentos marginalizados nem sempre são sinais de doenças, mas formas legítimas de adaptação, expressão ou resistência a contextos adversos e novas maneiras de ver e viver o mundo. Além disso, o mesmo comportamento pode ser interpretado de formas diversas, dependendo do contexto histórico, social e cultural.
Mulheres que desejavam se divorciar já foram diagnosticadas com distúrbios emocionais e vistas como "doentes" ao longo da história. Da mesma forma, pessoas trans eram diagnosticadas com "Transtorno de Identidade de Gênero" no DSM.
Há um movimento que tenta reduzir a Psicologia a um "puxadinho" da Medicina, mas isso não pode refletir a essência da nossa profissão. O fazer psicológico é amplo e diverso: está presente nas comunidades, nas escolas, nos ambientes de trabalho, e influencia diretamente as políticas públicas de saúde, trânsito, comunicação e tantas outras áreas. A Psicologia é uma ciência que permeia o cotidiano, sendo aplicada de maneiras múltiplas e transformadoras. A clínica, embora seja uma importante forma de atuação, é apenas uma entre tantas possibilidades e tem suas próprias limitações. Nosso campo vai muito além, englobando ações que promovem saúde, direitos e mudanças sociais de forma abrangente.
Mariane Regina Salles Panek
@panekpsi
Psicóloga Comunitária
CRP 08/32713